O dilema entre conhecimento e autonomia nas escolhas humanas.
Quando pensamos em livre arbítrio, autonomia e tomada de decisões, é inevitável chegar à questão do conhecimento e sua influência em tudo isso. E se extrapolarmos para o mérito da influência, ou não, desse conhecimento na condução da vida, podemos alcançar patamares onde até a própria liberdade de escolhas é questionada — um tema que, por enquanto, não irei aprofundar, mas que também oferece uma ótima análise.
"Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (Livro de João 8:32). Jesus, um sábio antigo, já dizia isso há milênios, e antes mesmo dele, essa mesma sabedoria já era conhecida por outros sábios antecessores. Quando se detém o conhecimento sobre algum assunto, é impossível desfazer esse processo — "conhecimento é a única coisa que não pode lhes ser tirada" (dito popular). Acredito que, durante a nossa jornada nesta vida terrena, todo conhecimento que adquirimos nos transforma de maneira profunda e é única e exclusivamente através dele que fazemos nossas escolhas. Entendo também que nós, seres humanos, buscamos sempre escolher o que julgamos ser a melhor decisão para todos os aspectos da nossa vida. É interessante pensar em como esse conhecimento que temos a respeito de tudo afeta cada uma dessas escolhas.
Eu costumo ter o seguinte pensamento geral a respeito desse assunto: se alguém faz mal a si mesmo, é porque ainda não aprendeu que isso, de fato, lhe faz mal, ou seja, não há conhecimento verdadeiro sobre a questão. Para demonstrar isso, quero que pense em uma pessoa viciada em alguma coisa, como drogas ou jogo, por exemplo. Essa pessoa, ao estar nesse estado mental, não tem o conhecimento verdadeiro sobre o quão mal essa situação, de fato, é para ela mesma. Se fosse verdade, ela já estaria buscando meios de sair dessa situação que lhe faz mal. Ou seja, ela não possui esse conhecimento e continua; tão logo ela percebe o malefício, busca movimentar-se para mudar sua situação. Outro exemplo, bem mais simples que você mesmo pode fazer, é o seguinte: acenda a chama de um fogão e em seguida coloque sua mão sobre a chama. Perceba a sua reação ao simplesmente tentar fazer isso. Você colocou a mão na chama ou não? E por que você decidiu fazer o que fez?
Agora, peço que você busque aplicar esse mesmo raciocínio para algo que você vê como ruim para sua própria vida. Pode ser para qualquer área da sua vida: saúde, relacionamentos, finanças, sua vida profissional, qualquer uma. Quando você se pergunta por que decidiu fazer o que fez, seja isso ter feito algo propriamente ou apenas não ter feito nada — pois não fazer algo também é uma ação —, você percebe o quanto o seu conhecimento sobre o assunto está determinando a sua escolha?
A nossa capacidade de pensar sobre alguma coisa é o que nos diferencia dos demais animais do mundo, porém ainda temos uma ligação muito mais forte com as questões corporais do que com as abstratas. Observe que ao pensar sobre o mal feito pela chama, é quase instintivo esse pensamento, mas ao avaliar o vício, por exemplo, é bem mais complexo entender se faz mal ou não, não é verdade? Assim, a sabedoria nos guia de modo a afastar do que é mau e nos aproximar do que é bom, embora entender isso em situações mais elaboradas, muitas vezes, não seja tarefa fácil.
E qual é o papel da nossa liberdade de escolha em tudo isso? A princípio, podemos considerar que nunca vamos tomar decisões que nos fazem mal, ao menos não de maneira deliberada, justamente por entendermos o que faz mal ou não. Ou seja, mesmo fazendo algo que, a princípio, é ruim e doloroso, optamos por fazer porque entendemos que aquilo não é, de fato, ruim/mal em si mesmo. Perceba que, ao fazer isso, estamos colocando a sabedoria como uma chanceladora da nossa liberdade de escolha. Pois agora conseguimos entender que, se estou fazendo mal a mim, é única e exclusivamente por conta da minha falta de conhecimento sobre aquele assunto que me faz mal. Com essa percepção, você só tem dois caminhos: continuar onde está, fazendo o que faz, sem entender se aquilo é ruim, ou buscar conhecer mais sobre o que está fazendo e, de fato, dar um novo significado àquela decisão.
Agora veja como o conhecimento sobre o feito influencia na tomada de decisão. Caso você veja que algo lhe é ruim em si, imediatamente repensa toda a situação e busca formas de não repeti-la; já quando você observa que não é ruim, continua fazendo a mesma coisa. Repare que você pode aplicar o mesmo raciocínio diversas vezes ao longo do tempo, e muitas vezes coisas que não eram ruins passam a ser em determinado momento, e vice-versa.
Com base em tudo isso, fica perceptível a limitação do livre arbítrio, ao menos no sentido clássico, pois o seu conhecimento sobre o assunto vai determinar até onde a sua decisão irá. É por isso que conseguimos observar que, em crianças, a grande parte das suas decisões são, para nós adultos, muito bem determinadas e limitadas. A grande questão é utilizar exatamente o mesmo conceito para a sua própria vida, colocando cada um de nós como meras crianças que não sabem o suficiente, e sob a perspectiva de qualquer ser mais sábio, que identificará com certa facilidade os limites dos nossos passos.